No início da Primavera de 2020, tornara-se visível a vitalidade de todo um novo sistema de fauna e flora, das ervas às flores, dos arbustos às árvores, dos canteiros aos prados centrais, passando pelos vasos, pelos muros e pelo gradeamento de separação com o pátio contíguo ainda em obras. O crescimento saudável das espécies fazia crer num equilíbrio alcançado. Tínhamos pássaros e insectos especialistas, as várias áreas destinadas à co-habitação humana também tinham sido, gradualmente, mobiladas e dispostas tendo em conta a exposição solar adequada à variedade de actividades dos residentes.
Quando o Covid-19 primeiro nos remeteu a todos a prolongadas quarentenas nos edifícios, o jardim constituiu um verdadeiro oásis de refúgio para vizinhos nunca dantes vistos, prolongando também o tempo de permanência daqueles que já o frequentavam, como os trabalhadores de um dos escritórios, que passaram, nomeadamente, a receber clientes no espaço comum onde continuávamos sozinhos a cuidar do solo, dos seus animais e plantas, bem como da revitalização de maior área de ladrilhado e da manutenção das muitas estruturas e equipamentos que adquirimos, recolhemos, transformámos ou construímos. Uma vez confinados, começámos também um trabalho de pesquisa e colaborações artísticas incidentes no próprio espaço.
Foi nesta altura que iniciámos uma residência no pátio, que teria a duração de cerca de quatro meses e que desencadearia a fundação deste colectivo, inicialmente convidando artistas e um antropólogo a reflectir connosco à distância nesta história de ocupação e de criação de Natureza em espaço semi-público, mas cedo estendendo também o convite à participação a todos os vizinhos: os de sempre, mas também aqueles que ainda não conhecíamos, frequentando o jardim sem qualquer informação sobre a origem do mesmo e, naturalmente, sem quaisquer responsabilidades na sua manutenção. Todos os investimentos no espaço eram à data, ainda, inteiramente, da nossa responsabilidade, desde que em 2017 o novo proprietário e actual senhorio de todas as habitações e escritórios, nos autorizara a manter o jardim a nosso encargo, anulando os custos anuais de manutenção a todos os inquilinos. Compreendendo que a gestão deste novo fluxo de utilização humana no quadro de uma pandemia teria que ser agora formalizada, até porque novos conflitos respeitantes a regras de higiene e hábitos de consumo durante as quarentenas se começavam a vislumbrar, convocámos uma reunião geral para todos os interessados no jardim. Desta reunião, a que compareceram cerca de oito pessoas representando cinco habitações, resultaram uma lista de regras de utilização do espaço adaptada à pandemia e o compromisso de colaboração na acomodação do lixo reciclado (em franco aumento de produção), no cuidado das plantas, na limpeza e na manutenção dos móveis e outros equipamentos. Acordou-se na utilização da janela recuperada do fogo de 2017, onde afixáramos o primeiro mapa do jardim, como lugar acessível a todos para partilhar informação e continuar a comunicar; manifestou-se interesse em participar nos custos sazonais, no financiamento de projectos e em acções de formação de jardinagem e permacultura; comprometemo-nos a elaborar uma estimativa de orçamentos passados e futuros, bem como a oferecer formação gratuita para desenvolver o projecto colectivamente.
Em 2020, ocorreu ainda, na presença do proprietário, uma inspeção camarária de verificação de segurança das estruturas, na qual se assegurou o cumprimento da legislação. Na mesma altura, garantimos também a ocupação da enorme área ladrilhada à entrada do pátio, junto ao novo muro de separação com a área do lixo, em que já instaláramos canteiros elevados, mobiliário e equipamento de jardinagem. Ali trabalhávamos em novos projectos, para além de se tratar de uma zona popular de lazer e reunião de residentes, onde o proprietário tencionara instalar uma parte do novo parqueamento de bicicletas. Para além das quatro exibições do cabaret resultante da residência artística, que ali apresentámos no contexto extraordinário da pandemia, atraindo uma boa parte dos utilizadores do espaço, bem como activistas locais, colegas e amigos, e possibilitando uma primeira discussão pública sobre o projecto Reichen-Hof, foram também criadas, nos meses que as antecederam, as condições para o desenvolvimento sustentado de processos criativos colectivos. Uma vizinha colaborou no vídeo realizado aquando da instalação da secção de deserto de cactos, uma outra fotografou o primeiro espectáculo, assim como os que se lhe seguiram em 2021. Estas vizinhas, juntamente com um terceiro residente, participaram também nos vários workshops de introdução à permacultura e acções de jardinagem urbana que realizámos então, tendo em vista o seu continuado interesse no cuidado do jardim ao longo das estações seguintes: uma delas colaboraria no financiamento da construção de uma nova caixa de composto, investindo no seu próprio canteiro de legumes e, ao longo de um ano, responsabilizar-se-ia pela remoção de ervas daninhas e alguma da limpeza da área ladrilhada. Todos os outros, os que também se chegaram a interessar pelas plantas e aqueles que se foram engajando na discussão do aspecto sócio-cultural do projecto, nunca se comprometeram, de facto, com tarefas e custos regulares. A participação no desenvolvimento de projectos pontuais e eventos, contudo, dava provas de alguma intencionalidade comunal.